terça-feira, fevereiro 28, 2006

Um pouco de vida no tempo de morte

02.49h da manhã
Sentou-se à janela do seu quarto a observar o luar sobre a copa das árvores. Estava uma noite de lua cheia como ele já pressentia há muito – já há algum tempo que ele esperava que acontecesse isto.
“Olha à tua volta, não estás sozinho, muitos gostam de ti, és especial”
Balelas. Ele sabia que até seria especial, todos nós somos especiais. Mas não merecia isto. Dava de mais aos outros e depois sofria. Já não era a primeira vez, mas custava-lhe a aprender. De qualquer das formas, se era assim que o viam, então que o vissem até ao fim.
Saltou da janela e deixou-se cair com os braços abertos desde o seu 8º andar até ao chão de terra batida. Apenas queria sentir o vento a atravessar-lhe a cara, de modo a varrer as preocupações da sua cabeça…


04.07h da manhã
Acordou no meio da floresta. Conseguia ouvir uns zumbidos e outros ruídos da noite, mas não lhes deu importância. Levantou-se com a ajuda das duas mãos e logo se agarrou à árvore mais próxima de modo a controlar a súbita tontura que o invadiu. Quando se sentiu melhor, caminhou por entre as árvores, tentando ver por onde andava pelo pouco luar de lua cheia que as folhas deixavam iluminar. Continuou a andar até chegar ao pé de uma rosa vermelha. Era bonita, se não fossem as lágrimas que escorregavam pelas pétalas. Ele sentiu-se tão perdido, tão sozinho, tão mal consigo mesmo. Agarrando a flor entre o seu peito e os seus braços, colocou-se de joelhos e chorou, deixando que as suas lágrimas se misturassem com as da rosa. Não se lembrava de quando tinha chorado desta forma, mas também não interessava, apenas sabia que tinha entre os braços algo que o entendia. Foi neste momento que um clarão se abriu sobre ele, deixando-o inerte no chão, com um olhar vazio e o rosto pálido e já sem vida ; a rosa encontrava-se a seu lado, entre os dedos da sua mão direita, seca e sem vida…

05.18h da manhã
Correu por entre as dunas de areia. Apenas queria sentir o mar nos seus pés, o bater das ondas nas suas pernas, a brisa marítima a acariciar-lhe a cara. Olhou para o céu limpo, onde aquela lua cheia o observava, sem pena. Sabia que estava a chegar mais perto do mar pois o barulho do bater das ondas intensificou-se. Sabia que não podia olhar para trás - não podia simplesmente. A lua não o permitiria. Tinha de o levar até ao fim. Assim que alcançou o mar, colocou as mãos sobre os joelhos, arfando tal era o cansaço que sentia, observando o reflexo do luar sobre a água de platina. Descalçou os sapatos, tirou o relógio e a pulseira e deu o primeiro passo. A água estava bastante fria e gelou-lhe os pés, obrigando-o a fazer mais força, sempre que queria dar um passo. Quando já se encontrava molhado até à cintura e a sua respiração diminuía de ritmo, não resistiu, qual Prometeu, e olhou para trás. Não merecia, não queria, não tinha culpa, mas viu. Desatou a chorar, arfando ainda mais com densas nuvens de vapor quente saindo da sua boca. Não aguentando mais, deixou-se cobrir pelo mar, observando a lua debaixo de água, naquele silêncio de morte que tão bem conhecia…

10.32h da manhã
Acordou na sua cama iluminada pelo sol que entrava pela janela aberta, no seu lado direito. Espreguiçou-se, recordando-se do que havia sonhado nessa noite: aqueles sonhos tão dramáticos e profundos. Avançou até ao parapeito da janela, onde algo lhe havia chamado a atenção. Encontrou uma rosa vermelha sobre um monte de areia. Com uma vontade enorme de chorar, empurrou com a sua mão direita a rosa e a areia para fora da janela e ajoelhou-se, encostando a cabeça aos braços que se agarravam ao parapeito, a chorar desalmadamente…
“Olha à tua volta, não estás sozinho, muitos gostam de ti, és especial”