segunda-feira, maio 22, 2006



There was a boy
A very strange, enchanted boy
They say he wandered very far
Very far, over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he
Finalmente, a voz. Um abraço. Um beijo na testa. E um sorriso. Foi o suficiente para ele se ter sentido bem consigo mesmo. Mas já fazia tudo parte do passado. Doces recordações e bons momentos, sem dúvida, mas não passavam mais do que isso. Uma lágrima ameaçava cair. Levantou a mão esquerda e limpou-a.
Ligou o computador e abriu a sua pasta que tinha as fotos. Observou a primeira foto, recordando-se de como nesse momento se sentira momentaneamente feliz. Iludido, mas feliz. Apreciou-lhe os lábios, doces e óptimos para se beijar, os olhos, ternos e ao mesmo tempo penetrantes, os braços que tantas vezes o abraçavam e aconchegavam, e o ombro excelente para encostar a cabeça, fechar os olhos, enquanto sentia nos seus cabelos o ar quente da expiração. Mudou de foto. Nesta já apareciam a sorrir num sítio qualquer em Lisboa. Gostava desta. Respirou fundo, e com os olhos húmidos decidiu imprimi-la, se queria de facto levar a sua ideia até ao fim.
No verso da fotografia, escreveu aquilo que sentia e que nunca lhe tinha dito. Por covardia, por medo de rejeição, ou pior, por medo da solidão e do isolamento. De qualquer das formas, fora fraco em não lhe ter mostrado o que lhe ia na alma. Mas não era capaz. O que é facto, é que já não aguentava esse sofrimento. Escreveu tudo. Não deixou nada dentro de si. Sentiu-se mais calmo, pois sabia, sentia, que estava a ser ouvido. Levantou-se, limpou as duas lágrimas que lhe haviam escorregado até ao queixo, assoou-se e colocou a fotografia dentro de um envelope. Pondo-a no bolso, aproximou-se da sua mesa-de-cabeceira e de olhos fechados, tentando evitar chorar de novo, pegou no frasquinho de vidro azul e colocou-o também no bolso, junto da fotografia. A seguir, fechou a porta do quarto, foi à cozinha encher uma garrafa pequena com água da torneira e saiu de casa.
And then one day
One magic day he passed my way
While we spoke of many things
Fools and Kings
This he said to me
Pelo caminho, passou por um jardim de rosas vermelhas que ele tanto gostava e arrancou uma. A mais bonita e jovem de todas, ainda por brotar. Olhando para a rosa entre os seus dedos, sentiu que aquele caminho nunca mais acabava. Finalmente, depois de dez minutos, chegou aonde queria. Entrou, subiu as escadas que o levavam a meio da colina e aproximou-se. Sentiu o cheiro de terra batida e relva molhada, e inspirou fundo, voltando a ter a sensação de que não iria aguentar muito mais sem chorar. Ajoelhou-se em frente à lápide, e leu o nome que se encontrava lá escrito – a prova de que não podia fazer mais nada, restando-lhe levar com a sua ideia até ao fim. Não aguentando mais, encostou a testa à lápide e deixou-se levar por um choro compulsivo. Ele esforçara-se tanto por reter aquele choro, mas era demais. Ainda a chorar, soltou um grito de desespero que há muito desejava sair cá para fora. A seguir, com os olhos vermelhos e húmidos, tocou com os dedos nas letras gravadas e sentiu uma leve brisa na face. Interpretou-a como chegada a hora de concluir o que tinha por fazer. Tentando enxugar ao máximo as lágrimas, colocou o envelope junto da lápide e pegou no frasco e na garrafa de água. Abriu o frasco e entornou o seu conteúdo para a mão em forma de concha. Uma dezena de comprimidos pequenos e brancos escorregaram-lhe para a mão, levando-os logo a seguir em direcção à boca. Com a outra mão, bebeu uns quantos goles de água e, no final, pousou a garrafa a seu lado e esperou. Esperou que a morte o viesse buscar. Começou a sentir-se inicialmente sonolento, mas, depois, uma súbita sensação de náuseas e vómitos começava a invadi-lo. Em completa agonia e dor, pôs-se de gatas e levantou a mão direita à testa. Lentamente, deixou de ver focado a lápide, a relva, as restantes campas e tudo a seu redor, caindo inanimado naquela terra batida.
Inundado por uma luz branca, piscou várias vezes os olhos numa tentativa de se acostumar à luminosidade. Lá ao fundo, pairava um vulto, que aumentava de tamanho à medida que se ia aproximando dele. Mais perto de si, reconheceu quem era. Não quis acreditar, pois ainda há pouco estivera perto da sua campa. Começou a sentir uma calma e paz a tomar conta do seu corpo, e a voz, a voz que ele tão bem reconhecia, fez-se soar perto do seu ouvido. «Sei agora que me amavas, mas eu também sentia o mesmo. Acontece que o erro que acabaste de cometer, também eu o fiz e não resolveu de nada. Pelo contrário, perdi a oportunidade de ter uma vida feliz se tivesse falado contigo, dizendo o que sentia pois de certo que haveria retribuição. Mas não. Preferi recostar-me nos meus medos, e seguir o caminho mais fácil. Sem saída, sem nada, mas mais fácil. Lembra-te sempre disto. Sempre te amarei»
The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return.
Acordou, já ao final da tarde. O céu já se encontrava pintado em tons de amarelo, laranja e vermelho e um vento fraco levantara-se imponente. Sentou-se e rodou a cabeça em seu redor. Reparou no frasco vazio, partido, junto da garrafa já sem água. Continuou a olhar e viu, por cima do envelope, a rosa. Majestosa, floriu nesse período de tempo que se manteve inconsciente. Pegou na rosa, deixou cair as suas últimas lágrima e levantou-se. Colocou a rosa em pé, na terra batida, e seguiu direito a sua casa, pensando no que se passara. Mais calmo, e de olhos chorosos, elevou a cabeça e observou as primeiras estrelas, apelando para que as pessoas entendessem a sua mensagem.
Nota:
Música em itálico: Nature Boy - Eden Ahbez.