quinta-feira, outubro 20, 2005

Encontrar a paz no pôr-do-sol



É pena quase não poder ficar
És quente quando a luz te traz
Quase te vi amor
Quase nasci sem ti
Quase morri dentro de mim
Ficas dentro de mim
Por dentro de mim
Estás dentro de mim


Voltou a sentar-se naquele muro pequeno, observando o magnífico pôr-do-sol que nunca se cansava de ver. Desde a sua infância que gostava de se sentir como público daquele maravilhoso espectáculo da natureza; era algo que, só anos mais tarde é que o entendeu, lhe apaziguava o espírito, acalmando os seus anseios, os seus medos, as suas tristezas.
Mas ele sabia que naquele dia a razão era diferente. Com o telemóvel na mão direita, virou o seu ecrã na direcção dos seus olhos húmidos e vermelhos na esperança (vã) de ter uma chamada ou uma mensagem. Mas nada. Tentando não chorar, e já sentido a habitual dor na garganta com o esforço de não o fazer, virou a cabeça de novo para a despedida daquela estrela de tons amarelo, vermelho e alaranjados, pensando se valeria a pena continuar com a sua vida.


Silêncio, lua, casa, chão
És sítio onde as mãos se dão
Quase larguei a dor
Quase perdi
Quase morri dentro de mim
Ficas dentro de mim
Por dentro de mim
Estás dentro de mim


Ele queria saborear os seus lábios, sentir os seus braços à sua volta, sentir-se desejado… mas nunca passava de um sonho. Um sonho que lhe dava vontade em viver, é um facto, mas quando voltava à realidade essa vontade desaparecia de uma forma rápida e dolorosa, como se lhe tivessem atirado com um balde de água fria. Deitando-se sobre o muro e sem retirar o olhar do pôr-do-sol, pensou que talvez fosse o seu destino amar sem ser correspondido, apaixonar-se por quem nunca poderia ter, sentir-se sempre mal consigo mesmo, pela sua estúpida vida e, sobretudo, pela sua obsessão idiota pelo amor.
Paradoxalmente, sentia-se igualmente bem em estar apaixonado. Ele apenas desejava poder tocar-lhe, sentir a sua pele, cheirar o seu perfume, ouvir a sua voz… no fundo, o que mais desejava era recolher tudo isto dentro de si, de modo a nunca se esquecer e a poder recordar sempre que quisesse. Era esse o seu significado de amor: sentir, ouvir e cheirar a pessoa de quem se gosta em qualquer altura e em qualquer lugar, sempre que assim o desejasse fazer.

Sempre sou mais um homem
Mais humano, mais um fraco
Sempre sou mais um braço,
Mais um corpo, mais um grito
Sempre dança em mim, mundo vira em fim
Morre aqui, dentro de mim



Ergueu o telemóvel ao nível da cara. Olhou para o habitual ecrã com o logótipo da Vodafone, às 18:23, com a bateria cheia e a rede com quatro tracinhos. Nem um toque. Nem uma mensagem. Nada. Ele sentiu-se tão sozinho, tão mal consigo mesmo, tão insignificante…
Um sentimento de revolta tomou-lhe conta do espírito, obrigando-o a deixar cair as primeiras lágrimas de um choro compulsivo. Com um gesto repentino atirou o telemóvel em direcção ao sol, como se quisesse acertar-lhe, feri-lo, obrigá-lo a sentir-se tão mal como ele, já que não podia depositar a sua raiva em mais ninguém.
Sem pensar em mais nada, voltou a sentar-se no muro, saltando de seguida para o chão e começando a correr em direcção ao sol. Apenas queria sentir o ar a bater-lhe na cara, refrescando-lhe a face húmida. De mente vazia, passou pelo telemóvel agora partido, rodeado por inúmeros fragmentos, mas não lhes deu importância. Pouco mais na vida lhe interessava.
Olhou ainda a chorar para a sua estrela, que já desaparecia quase completamente no mar, sem reparar que o solo agora mudara para alcatrão, sem ouvir o som de uma buzinadela, sem ver o camião a aproximar-se dele… Caído no chão apenas conseguiu vislumbrar ao longe os últimos raios do sol, depois deste ter desaparecido completamente naquele mar e a ultima lágrima ter escorregado pela sua face…


É pena quase não poder ficar
No sítio onde as mãos se dão
Quase fugi amor, quase perdi
Vamos embora daqui para dentro de mim
(Musica de Toranja - Por dentro de mim)
**Nota: o que está em itálico é, obviamente, lyrics de uma música dos Toranja a qual tocou muito, o que está em letra normal foi escrito por mim. Já agora aproveito para agradecer ao meu padrinho por me ter dado a conhecê-la. Brigadão ;o)