sexta-feira, dezembro 16, 2005

Por detrás da porta


Uma das portas daquele longo corredor austero encontrava-se, pela primeira vez em muito tempo, fechada, escondendo no seu interior a cama com a mesa-de-cabeceira perpendiculares à janela, com vista sobre a cidade de Lisboa, e um pequeno sofá castanho, velho e gasto ao lado da janela e em frente à porta. O enfermeiro aproximou-se lentamente da porta, hesitando em abri-la assim que colocou a mão sobre a maçaneta. Lembrava-se bem do que o seu colega do turno anterior lhe havia dito momentos antes.
«Não te admires que ela te responda mal ou que comece a gritar. Ela passou a noite toda a fazer isso, de modo que tivemos que lhe dar um calmante. Vê se ela está bem que eu já não ‘tou com paciência»
O enfermeiro achou aquela atitude de impaciência completamente desnecessária. Que problema tinha de a doente estar agressiva? É normal nos casos dela, que por sinal não são poucos, comportarem-se assim. Mais grave seria se ela não reagisse e, aí sim, seria de nos preocuparmos realmente.
Voltou a concentrar-se na porta. O mais assustador de tudo devia-se ao facto daquela porta estar fechada, revelando a presença de alguém desconhecido, de alguém que ele nunca tinha estabelecido qualquer contacto. Pensou no que haveria de dizer assim que entrasse, mas percebendo que não valeria a pena pois só aumentava ainda mais a ansiedade, experimentou bater à porta, com o coração a bater loucamente, o suficiente para conseguir ouvir os seus batimentos. Não obteve resposta. Voltou a bater três vezes e, respirando fundo com os olhos fechados, girou a maçaneta e entrou.
Fechou a porta atrás de si sem desviar os olhos da silhueta de uma mulher, de costas voltada para ele e de frente para a janela, que contrastava com a claridade que invadia o quarto naquela manhã de Primavera. O enfermeiro cumprimentou-a com um “bom dia”, à medida que se aproximava cautelosamente dela. Já perto da cama, retirou o registo de notas e leu-o na diagonal. Ali estava a prova que ele tanto temia: tentativa de suicídio devido a uma depressão relativamente recente. Não fora a primeira. Arrumou o registo de notas de novo no suporte pendurado aos pés da cama e retomou a sua atenção para a sua paciente, que continuava impávida e serena, olhando o vazio. Não obtendo resposta, tentou chamar-lhe pelo seu nome, numa nova tentativa de estimular a comunicação. Se havia situação que ele nunca sabia como reagir, esta era uma delas. Não pela razão em si, mas sim pelo facto dela, como doente desconhecida, não ser capaz de falar, de não querer conversar com ele, de modo a ser muito mais fácil estabelecer uma relação entre ambos, uma relação de partilha e de inter ajuda.
Continuou a andar em frente, colocando-se ao lado da mulher, e observou a paisagem de Lisboa, iluminada por todos os raios daquela radiosa estrela amarela. Enquanto se encontrava distraído a observar a cidade, algo lhe trouxe completamente de novo à realidade; sentiu que, por instantes, através do reflexo no vidro, o olhar dela se havia desviado para ele, que pelo menos tinha reparado na presença dele, mas assim que tentou encontrar os seus olhos nos dela, ela, aparentemente, já teria desviado a sua atenção de novo para a paisagem. O coração dele recomeçou a bater cada vez mais rápido. Será que ela tinha mesmo notado na sua presença? Qual seriam os pensamentos dela sobre ele? Bons? Maus? Mais valia não ter entrado naquele quarto ou foi realmente importante mostrar-lhe que ainda há alguém preocupado com ela? Tentou concentrar-se de novo nos carros, nas casas e nos montes de Lisboa, mas era-lhe complicado – instalou-se um período de silêncio, um período perturbador para ele, pois não sabia o que dizer com medo que tocasse num ponto íntimo e pessoal que ela, a paciente, não gostasse de relembrar e/ou falar.
Não soube contar quanto tempo passaram juntos a olhar a cidade pela janela, mas à medida que os minutos passavam, ele começou a sentir uma necessidade crescente de falar, de conseguir acalmar a dor dela, de suavizar a sua tristeza ou de ajudá-la, pelo menos, a passar por todo aquele problema. Sem saber se por impulso ou por não aguentar mais o silêncio (ou se pelas duas) ele abriu a boca e começou falar. As primeiras palavras articuladas custaram bastante, mas à medida que ia falando, as mesmas saíam mais fluentemente, o que o acalmou mais, dando-lhe força para continuar. Falou sobre o tempo lindo que estava nesse dia, da beleza única do sol e da luz que emana, dos pormenores escondidos da capital e de factos engraçados que aconteciam naquele meio hospitalar. Contou sobre as dificuldades diárias com que se deparava, do medo da reacção que os outros poderiam ter com alguma coisa que ele ingenuamente dissesse, dos receios em que algo lhe fugisse do controlo. Referiu o quanto era difícil ultrapassar certas situações e que muitas se tornavam desesperantes e a vontade de desaparecer se tornava bastante tentadora e apelativa. Mostrou-lhe o quanto ela não está sozinha neste mundo, pois todos nós sofremos, vamos nos abaixo com pequenas ou grandes coisas, mudamos de humor drasticamente, mas a vida continua e não é por estarmos mal que o mundo deixa de girar, continuando com o seu movimento imparável de e para o infinito.
Parou de falar tão rápido da mesma forma como começou, sentindo a frequência do seu coração e da respiração a voltarem ao normal. Sentindo-se mais calmo desviou o olhar para o reflexo da sua doente. Reparou que lágrimas lhe escorriam dos olhos vermelhos e húmidos pela cara, em direcção ao pescoço, sem ela ter se dado ao trabalho de as esconder, passando com a mão pela face de forma a limpá-las. Mais uma vez por impulso, colocou os seus braços em cada ombro dela, como se quisesse protegê-la, ajudá-la, fazer entender-lhe que não está sozinha e que tem sempre alguém ali, pronto para apoiá-la no que for preciso. Respeitando o seu silêncio, afastou-se calmamente dela e deu meia volta para se vir embora do quarto, sentindo-se observado, mesmo estando de costas para ela. Assim que se aproximou da porta, algo lhe fez suster a mão sobre a dita maçaneta: um “Obrigado” sincero, único e calmo se fizera ouvir. O enfermeiro sorriu, disse-lhe que não tinha que lhe agradecer e posou a mão sobre a maçaneta, girando-a para a esquerda e saindo para fora do quarto.


Nota: este texto foi para um trabalho de DPS, uma cadeira do meu curso. Custou-me um bocadinho a fazer até porque praticamente só foi feito em duas madrugadas seguidas, por isso tinha que pôr =)

sábado, dezembro 10, 2005

Porquê continuar a viver?
Quando nunca podemos ter aquilo que queremos,
Quando amamos aquilo que não podemos,
Quando pensamos no impossível…

Farto da vida,
Farto desta obsessão pelo amor,
Farto de me iludir,
Farto de sentir esta merda, farto…

Querer voar para longe,
Querer esconder-me num buraco e nunca mais de lá sair,
Querer sentir-me amado, desejado, importante para alguém,
Querer o nada, Querer…

Perder a alegria de viver,
Perder as esperanças ilusórias,
Perder quem gostamos,
Porquê continuar com isto?

quinta-feira, outubro 20, 2005

Encontrar a paz no pôr-do-sol



É pena quase não poder ficar
És quente quando a luz te traz
Quase te vi amor
Quase nasci sem ti
Quase morri dentro de mim
Ficas dentro de mim
Por dentro de mim
Estás dentro de mim


Voltou a sentar-se naquele muro pequeno, observando o magnífico pôr-do-sol que nunca se cansava de ver. Desde a sua infância que gostava de se sentir como público daquele maravilhoso espectáculo da natureza; era algo que, só anos mais tarde é que o entendeu, lhe apaziguava o espírito, acalmando os seus anseios, os seus medos, as suas tristezas.
Mas ele sabia que naquele dia a razão era diferente. Com o telemóvel na mão direita, virou o seu ecrã na direcção dos seus olhos húmidos e vermelhos na esperança (vã) de ter uma chamada ou uma mensagem. Mas nada. Tentando não chorar, e já sentido a habitual dor na garganta com o esforço de não o fazer, virou a cabeça de novo para a despedida daquela estrela de tons amarelo, vermelho e alaranjados, pensando se valeria a pena continuar com a sua vida.


Silêncio, lua, casa, chão
És sítio onde as mãos se dão
Quase larguei a dor
Quase perdi
Quase morri dentro de mim
Ficas dentro de mim
Por dentro de mim
Estás dentro de mim


Ele queria saborear os seus lábios, sentir os seus braços à sua volta, sentir-se desejado… mas nunca passava de um sonho. Um sonho que lhe dava vontade em viver, é um facto, mas quando voltava à realidade essa vontade desaparecia de uma forma rápida e dolorosa, como se lhe tivessem atirado com um balde de água fria. Deitando-se sobre o muro e sem retirar o olhar do pôr-do-sol, pensou que talvez fosse o seu destino amar sem ser correspondido, apaixonar-se por quem nunca poderia ter, sentir-se sempre mal consigo mesmo, pela sua estúpida vida e, sobretudo, pela sua obsessão idiota pelo amor.
Paradoxalmente, sentia-se igualmente bem em estar apaixonado. Ele apenas desejava poder tocar-lhe, sentir a sua pele, cheirar o seu perfume, ouvir a sua voz… no fundo, o que mais desejava era recolher tudo isto dentro de si, de modo a nunca se esquecer e a poder recordar sempre que quisesse. Era esse o seu significado de amor: sentir, ouvir e cheirar a pessoa de quem se gosta em qualquer altura e em qualquer lugar, sempre que assim o desejasse fazer.

Sempre sou mais um homem
Mais humano, mais um fraco
Sempre sou mais um braço,
Mais um corpo, mais um grito
Sempre dança em mim, mundo vira em fim
Morre aqui, dentro de mim



Ergueu o telemóvel ao nível da cara. Olhou para o habitual ecrã com o logótipo da Vodafone, às 18:23, com a bateria cheia e a rede com quatro tracinhos. Nem um toque. Nem uma mensagem. Nada. Ele sentiu-se tão sozinho, tão mal consigo mesmo, tão insignificante…
Um sentimento de revolta tomou-lhe conta do espírito, obrigando-o a deixar cair as primeiras lágrimas de um choro compulsivo. Com um gesto repentino atirou o telemóvel em direcção ao sol, como se quisesse acertar-lhe, feri-lo, obrigá-lo a sentir-se tão mal como ele, já que não podia depositar a sua raiva em mais ninguém.
Sem pensar em mais nada, voltou a sentar-se no muro, saltando de seguida para o chão e começando a correr em direcção ao sol. Apenas queria sentir o ar a bater-lhe na cara, refrescando-lhe a face húmida. De mente vazia, passou pelo telemóvel agora partido, rodeado por inúmeros fragmentos, mas não lhes deu importância. Pouco mais na vida lhe interessava.
Olhou ainda a chorar para a sua estrela, que já desaparecia quase completamente no mar, sem reparar que o solo agora mudara para alcatrão, sem ouvir o som de uma buzinadela, sem ver o camião a aproximar-se dele… Caído no chão apenas conseguiu vislumbrar ao longe os últimos raios do sol, depois deste ter desaparecido completamente naquele mar e a ultima lágrima ter escorregado pela sua face…


É pena quase não poder ficar
No sítio onde as mãos se dão
Quase fugi amor, quase perdi
Vamos embora daqui para dentro de mim
(Musica de Toranja - Por dentro de mim)
**Nota: o que está em itálico é, obviamente, lyrics de uma música dos Toranja a qual tocou muito, o que está em letra normal foi escrito por mim. Já agora aproveito para agradecer ao meu padrinho por me ter dado a conhecê-la. Brigadão ;o)

domingo, setembro 18, 2005

Bem, é só para dizer que entrei na faculdade de enfermagem que pus como primeira opção. Espero que seja o melhor para mim, que tenha feito a escolha acertada e que... enfim... seja a minha vocação.

É revoltante, enervante, frustrante (e outros sentimentos mais negros) o facto de não podermos compartilhar a nossa alegria com pessoas que nos são queridas, amigos de quem gostamos e consideramos como seres especiais que são, dado não terem conseguido entrar nas universidades que queriam por, ou não terem tido notas nos exames exigidas pelos PI mínimas, ou por as notas dos exames terem sido o suficiente para descerem as suas médias drasticamente, ou, pior ainda, terem tido uma média óptima e não terem entrado por 2,3 ou 4 décimas - sabendo, eu, que dariam excelentes profissionais, nos quais deposito a maior confiança. Mais do que deposito em mim.

A esses é que admiro pela persistência que têm em continuar a lutar por aquilo que realmente querem apesar desta porcaria de país não meter na cabeça que "médias altas" diferente de "bons profissionais".

Por isso, é que quero desejar toda a sorte do mundo, força e confiança a vocês mesmos. Sei que vão conseguir. Sei que sim.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Despedidas no lago

Levantou-se da cadeira em frente à secretária agora cheia de envelopes e folhas escritas. Retendo ao máximo o choro encaminhou-se até à janela por onde a luz daquele belo dia de sol entrava iluminando todo o quarto, mas sem conseguir revelar o seu lado mais obscuro – ele próprio. Distraiu-se com as crianças que brincavam no pátio, pouco à frente do seu prédio, saltando e rindo às gargalhadas; ao mesmo tempo, reparou num casal de velhos, sentados num banco de jardim, que olhavam alegremente para a miudagem, comentando por vezes entre si, unindo as cabeças enquanto apertavam as mãos qual dois adolescentes. Encostou-se à janela, de costas voltadas para aquela imagem alegre do seu pátio, e deixou-se levar por um choro compulsivo, erguendo toda a sua mágoa e tristeza, sentindo-se mais vazio interiormente, se assim fosse possível. Tapando a boca e o nariz de modo a abafar o barulho ofegante da respiração para que ninguém em casa o ouvisse, afastou-se da janela e voltou a pegar na caneta. Tinha de escrever aquela carta de despedida, justificando o porquê do seu acto, e pedindo por favor que nenhum dos pais se sentisse culpado, arrependido ou com outro sentimento que pudesse corroer as suas almas. Começou de novo a escrever, aumentando a velocidade da sua mão sobre o papel conforme o seu interior se ia abrindo, tornando mais fácil a escrita – era essa a vantagem de ir ao limite dos sentimentos, pois assim poderia expressar aquilo que realmente sentia e desejava dar a conhecer. Poucos minutos depois, e estando mais calmo, dobrou a folha, colocou-a num envelope, fechou-o e, depois de escrever no local do destinatário a palavra “pais”, atirou-a para o grupo de outras cartas que tinha escrito para os amigos mais chegados que necessitavam, na sua opinião, de uma justificação para que, tal como os seus pais, não desenvolvessem um sentimento que os corroesse por dentro. Com os olhos vermelhos e a face húmida, agarrou o grupo de envelopes, pegou no seu polar bege e nas chaves de casa e saiu o mais depressa possível do quarto em direcção à saída, passando pela porta da sala onde os seus pais viam distraidamente televisão, gritando que ia comprar mais um caderno para as aulas de química. Fechando a porta convicto, esforçou-se por não voltar a chorar de tal forma que, não esperando pelo elevador, desceu as escadas a correr sem olhar para mais nada, sentindo apenas o vento a bater no seu corpo, na sua cara, nos seus olhos.
Assim que a porta da rua se fechou atrás de si, vestiu o polar e avançou no caminho que o levava ao parque perto da sua casa, com um lago onde patos e cisnes nadavam e viviam enquanto coelhos andavam na relva, à volta das pessoas, numa tentativa de receberem algo para comer. Já no parque, decidiu tentar acalmar-se sentando-se sobre a relva com as costas apoiadas num dos pinheiros e fechando os olhos. Quando já se sentiu mais apaziguado levantou-se e começou a movimentar-se em direcção à ponte que ligava cada margem do lago, onde pode observar os cisnes que mexiam o seu longo pescoço para diversas partes do corpo como se estivessem a lavar as penas, ao mesmo tempo que um grupo de patinhos bebés cercavam a progenitora, piando desalmadamente. A imagem era bastante bonita e a mensagem de paz e de esperança que emanava era facilmente captada e sentida. Enquanto respirava fundo de olhos fechados ouviu um barulho que lhe roubou a atenção, obrigando-o a virar a cara para a sua direita onde reparou a poucos metros de distância num jovem, mais ou menos da sua idade, vestido com roupas velhas e usadas, que o fitava intensamente à medida que se aproximava dele. Assim que o alcançou, o jovem retirou-lhe os envelopes da mão direita, abanando a cabeça em sinal de discordância, e atirou-os ao ar, onde foram cair, um a um, sobre a água fria do lago. No final, abraçou-o e deu-lhe um beijo na testa, murmurando de seguida ao ouvido para que “não te deixes abater, ainda não chegou a hora”. Assim que lhe entregou o aviso, o jovem virou-lhe as costas e começou a andar na direcção oposta, afastando-se cada vez mais.

Foi acordado pela comichão na sua mão direita, obrigando-o a abrir os olhos e a reparar que um dos seis coelhos que estavam à sua volta lhe estava a cheirar a mão. Tentou a afastar os coelhos, mas era praticamente impossível – provavelmente eles já estavam habituados à companhia dos humanos – e limitou-se a esfregar os olhos com as costas das mãos e a espreguiçar-se ainda sentado e com as costas apoiadas no pinheiro. Num flashback recordou-se do jovem na ponte, dos cisnes, mas sobretudo nos envelopes a balouçarem no ar e a cairem no lago. Com esta ideia fixa na cabeça levantou-se e olhou em volta de modo a encontrar algum dos sobrescritos, mas nada. Correu em direcção ao lago onde encontrou cisnes que mexiam o seu longo pescoço para diversas partes do corpo como se estivessem a lavar as penas ao mesmo tempo que um grupo de patinhos bebés cercava a progenitora, piando desalmadamente…

«Não chegou a hora»

sábado, julho 16, 2005

Hoje estou especialmente contente!! Vi as minhas notas dos exames nacionais e sinto-me bastante orgulhoso!!! (tirando a nota de matemática, mas isso sao pormenores lol).

Orgulhoso não das notas em si, mas pelo facto de não ter descido a média e sim, aumentado/estabilizado... Finalizei o secundário com média 16,7 valores e vou me candidatar às faculdades com medias superiores a 16, o suficiente para entrar, espero eu =) ... a não ser que este ano as médias subam loucamente lol

Mesmo contente!! Agora o que me lixa é saber se realmente enfermagem é aquilo que eu quero, apesar de sempre querer ir para psicologia... Mas escolher emprego ao desemprego, prefiro o emprego. E enfermagem sempre mete um pouco de psicologia... enfim, talvez seja a escolha acertada! =) (Se tivesse aqui o Freud, já dizia que o meu ego tinha efectuado uma racionalização, bah!)

Peace!

domingo, maio 29, 2005


Encontrei esta imagem na net... n�o sei a quem ou onde pertence, mas devo desde j� dizer que � espectacular =) Posted by Hello

Uma imagem vale mil palavras... Posted by Hello

quinta-feira, maio 26, 2005

O ciclo da Lua - a igualdade dos dias

Sentou-se à beira do lago banhado pelo luar daquela lua redonda e imponente. Por momentos concentrou-se nos sussurros da noite – o barulho das rãs, dos mosquitos, dos arbustos ao serem levemente abanados pelo vento… e do seu próprio soluçar. Tentou concentrar-se ainda mais no ambiente à sua volta mas era impossível continuar a fugir aos pensamentos que o levaram àquele lugar.

Acordou por volta das oito horas, vestiu-se e tomou o pequeno-almoço à pressa para não chegar atrasado à escola. À uma e meia da tarde voltou a casa para almoçar e a seguir pegou nos livros que deixara de véspera e continuou o estudo. Mais tarde lanchou à medida que via televisão e jantou por volta das sete e meia. A partir da meia-noite já se deitara para um novo dia. No dia seguinte tudo recomeçou, tal como no dia a seguir a esse e no seguinte e no seguinte e no seguinte… Todos os dias eram iguais. Havia, deste modo, um certo conforto, pois assim conseguia ter segurança na sua vida, em si e no seu exterior. Pouco ou nada lhe fugia do controlo. Era um bom aluno. Seus pais orgulhavam-se dele e não tentavam esconder o filho que tinham aos amigos. Os seus avós faziam o mesmo. Todos achavam graça à sua forma de encarar os estudos: por boas notas, sorria ou pedia por mais, por más notas, chorava ou enervava-se. Perfeição era a palavra que, segundo uns, o definia. Outros, maluco.
A sua vida era perfeita. Tinha uma família maravilhosa que o aceitava como era, ajudava-o se tivesse algum problema, tratava-o sempre com amor e eram muito unidos. Os seus amigos não ficavam por trás, se precisasse de ajuda com certeza que o ajudariam e todos gostavam da sua forma alegre de encarar a vida, da sua extroversão, da sua generosidade…
Apesar de tudo, a sua vontade em desaparecer aumentava de dia para dia. Um sentimento de angústia e tristeza crescia cada vez mais. Ele tinha consciência que estava a chegar aos seus limites e a sua força em querer continuar com o ciclo de dias diminuía a olhos vistos. Contudo, e o mais engraçado, é que ninguém reparava nesse seu desespero. Ele até sabia a resposta: nunca mostrava aquilo que tinha, escondendo os seus sentimentos pondo uma máscara de rapaz feliz e contente com a sua vida dita perfeita. Não desabafava, aliás, nem conseguia pois ninguém com certeza iria ter paciência para o ouvir e, caso tivessem, não saberiam como ajudá-lo tal era a estranheza em vê-lo fazer algo que nunca fazia ou que nunca ninguém esperasse que fizesse. No fundo, e o que mais o magoava, era a falta de sensibilidade por parte das pessoas que o conheciam. Era um facto que ele desenvolvera uma sensibilidade em codificar os sinais aparentemente alegres como meras capas com o objectivo de tapar sentimentos como a tristeza, o desespero ou uma profunda mágoa. Contrariamente, ele também sabia que cada ser é único e que cada um desenvolve aptidões e capacidades diferentes que juntos levam à formação de um todo no qual existe uma interacção e uma interdependência entre cada um. No entanto custava-lhe não ser correspondido da mesma forma com que os tratava - não ser avaliado nem codificado, o que muitas vezes levava-o a perguntar-se até que ponto era importante para os outros.

Parou de soluçar ainda sentado, com os joelhos dobrados e próximos do seu peito tendo os braços, um de cada lado, a agarrá-los. Levantou a cabeça e apoiou-a entre os joelhos, olhando sem alma para os reflexos sombrios do luar na água do lago. O seu corpo permanecia naquele local, mas a sua mente já há muito que tinha evaporado, tal como a sua alma, que fugira sem remorsos, em busca dos motivos que o levaram ali, a agir daquela forma. Com os olhos vermelhos e brilhantes de lágrimas secas, levantou-se e aproximou-se do lago, deixando-se penetrar na viva e gélida água, tornando-se parte desta. A partir desse instante, todos os sons da noite deixaram completamente de existir e uma leve nuvem cobrira a lua qual criança envergonhada que deixara cair um pingo de gelado na sua roupa. Fechou os olhos, levantou a cabeça para o céu negro, sentindo o frio a entrar pela sua roupa, queimando a sua pele, e esperou que voltasse a ser iluminado pelo luar, para que a lua testemunhasse o seu acto e o tentasse compreender, que o procurasse entender. O frio começava a dominá-lo e ele já nem sentia as pernas, enquanto a sua respiração abrandava obrigando-o a inspirar mais profundamente o ar, expirando pelos lábios arroxeados nuvens densas de vapor. Finalmente, a lua dignou-se a aparecer, fitando-o com o seu luar. Abriu os olhos e fitou a lua com igual intensidade. Deixando de sentir o frio, estendeu os braços para cada lado do corpo e deixou-se cair para trás, num movimento rápido e preciso, batendo com a cabeça nas rochas, desmaiando de seguida, libertando as últimas bolhas oriundas da sua respiração.



“Acorda!”
Seu pai foi acordá-lo pois apenas faltavam quinze minutos para o toque de entrada na escola. Acordou, acendeu a luz e mentalizou-se para o recomeço das suas obrigações diárias, para a continuidade cíclica dos seus dias e para a sua vida…

sábado, março 05, 2005

Escolhas...

Ele não queria ser diferente. Não o desejou. Aquele ser reflectido não era ele. Sentiu repúdio por si mesmo. Querer mostrar-se forte perante os outros. De ser como os outros. De tentar agradar os outros. Aqueles olhos fitavam-no e ele correspondia-lhes da mesma forma. Olhos castanhos, sim, castanhos-escuros como um tronco. Continuando a fitá-los, puxou a manga esquerda da sua camisa para cima. Desviou o olhar para as marcas da tragédia de outrora. A cicatriz principal de 11 cm partia do início da palma da mão, prolongando-se pelo resto do pulso, no sentido do cotovelo, brilhando intensamente, comprovando que tudo não passara de um sonho.

“Discussão familiar. Injustiça. Depressão.
A vontade de fugir, de querer desaparecer assim que pegou na tesoura e a primeira lágrima de um choro acumulado e escondido decidiu cair. Puxou a manga esquerda e elevou o pulso.
Frio.
O metal da tesoura estava frio assim que penetrou na pele. Uma mancha vermelha rodeou a lâmina. Ele continuava a espetar cada vez mais fundo. Não lhe doía. Nada mais lhe doía. No final levantou a tesoura e, enfurecido, voltou a cortar-se várias vezes, provocando diversos cortes: uns mais profundos, outros mais superficiais. Sem forças para mais, atirou a tesoura para o lavatório, salpicando-o de sangue, e retirou do armário esquerdo, da segunda gaveta, uma caixa de Benneron. Ainda haviam sobrado 5 comprimidos. Talvez acelera-se o processo, pensou ele, se bebesse com álcool. Retirou-os da sua protecção e tomou-os, colocando a mão em forma de concha na água límpida que escorria da torneira e saia vermelha pelo ralo. Começou a procurar o frasco de álcool mas logo teve de se agarrar à maçaneta do armário branco tal foi a súbita tontura. As lágrimas que até então teimavam em sair, pararam de repente. Ele sentiu-se a enfraquecer, a aproximar-se do chão, ajoelhando-se num gesto bruto, rápido e desconexo enquanto a sua visão ficava turva e as náuseas tomavam posse de si próprio, comandando-lhe o espírito. Fitou o tecto branco da casa-de-banho assim que a cabeça tombou nos azulejos do chão. Ao longe ouviu um grito. Um grito abafado mas era-lhe indiferente.
Luzes.
Diversas luzes ofuscavam-lhe os olhos assim que tentou abri-los. Conseguiu vislumbrar mesmo à sua frente um rosto com uma máscara branca. As pálpebras voltaram a fechar-se. Obrigou-as a abrir de novo. Conseguiu ver a silhueta de alguém a pôr um revestimento à volta do pulso de modo a estancar o sangue. Fechou de novo os olhos. Sentiu uns dedos a forçarem a entrada na sua boca, obrigando-o a ter contracções estomacais e a vomitar tudo. Voltou a perder a consciência.
Acordou no dia seguinte. Um sentimento de arrependimento apoderou-se dele. Lembrava-se bem do que as vozes espirituais lhe haviam dito num dos seus muitos estados inconscientes. Ele era livre de pôr termo à sua vida, ninguém o impedia nem ninguém o obrigava. A escolha era dele e, apenas a ele, lhe caíam as consequências do seu acto. Apesar de tudo, nada iria ser resolvido. Muito pelo contrário, só aumentaria ainda mais os problemas.”

Voltou a fitar os seus olhos no espelho. Não ia voltar a tentar pôr termo à sua vida. Os seus problemas tinham sempre uma solução à porta, era só esperar que o sinal de esperança aparecesse e tudo se resolveria. O mundo não parava com o seu sofrimento, muito pelo contrário, continuava no seu eterno movimento. Mas acima de tudo, jurou para si mesmo: jamais voltaria a dar sofrimento, dor e tristeza às pessoas que gostavam realmente dele. Essas sim, tinha de se preocupar.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005


O meu gatito mais velho Posted by Hello

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Desviei, mais uma vez, o olhar da janela e abri o caderno laranja na esperança de conseguir assimilar algo mais que meras palavras escritas sem sentido, sem nexo…

“Equação dos Gases Perfeitos ; Lei de Boyle – Mariotte”

Reparo que a minha gata mais nova, a minha protegida, está sentada em cima do aquário das tartarugas, a pouco mais de um metro de distância de mim, olhando através da janela para os dois pardalitos que piam em cima do telhado. Apesar de estar de costas para mim, consigo visualizar o seu olhar fixo mas ao mesmo tempo vivo e despreocupado de tarefas mais maçadoras como a que eu estou a ter. Provavelmente, a sua única preocupação resume-se em vigiar os pardais - não vá um fugir sem ela dar por isso. Retomo a atenção para o caderno. Abro o livro, tiro um conjunto de folhas pautadas de cima da estante e tento acabar o resumo que deixei pendurado na véspera.

“Pressão de Vapor ; Elevação Ebulioscópica ; Depressão Crioscópica ; Propriedades Coligativas”

Pelo o canto do olho consigo ver a minha gata a aproximar-se de mim. Continuo a escrever e a fingir que não reparo… pode ser que ela desista, pare e não me interrompa. Esperança em vão. Passa por cima das minhas canetas, amachuca as folhas, esfrega-se na minha cabeça, pára, olha para mim e senta-se em cima do livro. Começo a empurrá-la de modo a conseguir ler o livro e repreendo-a com uma voz aparentemente zangada – embora interiormente agradeço-a por me ter dado um tempo de descanso e distracção. Cumpridora do seu dever, salta da minha escrivaninha para o chão e afasta-se. Possivelmente dirige-se para outro local reconfortante: quente e macio (e sem um mal - agradecido a arreliá-la). Olho-a tristemente, até ela desaparecer do meu campo de visão. O tempo está a ficar encoberto. Volto a atenção para o caderno, para o livro, para as folhas de resumos e para as canetas.

“Nomenclatura dos Compostos Orgânicos ; Reacções dos Compostos Orgânicos ; Fórmula Molecular e Fórmula Empírica”

Isto está a ficar mais aborrecido que nunca. As palavras teimam em não querer fixar-se às paredes do meu córtex cerebral. Recusam-se em ser descodificadas pelo lobo occipital. A sensação de analfabetismo funcional aumenta dentro de mim. Não tenho ninguém para me fazer companhia tirando as minhas tartarugas – que por acaso encontram-se em hibernação… Saio do quarto e procuro a minha mãe. Distraio-me com dois dedos de conversa…

Mais um emocionante dia de estudo.

Claro que está um tanto ou quanto romanceado lol mas é mais ou menos esta a minha rotina de estudo. É sempre bom estudar química =P

Peace

sábado, janeiro 08, 2005

" ANIVERSÁRIO

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui --- ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado---,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!... "

Álvaro de Campos, 15-10-1929
Este foi, salvo erro, o primeiro poema - senão um dos primeiros - que li do mundo fantástico de Fernando Pessoa. Marcou-me imenso. Na minha opinião, dá para sentir a dor que o poeta, Álvaro de Campos, heterónimo de Pessoa, nos quer transmitir. A dor de um passado que não voltará mais - e que apenas existe em nós como um mero pensamento, abstracto e não palpável. E como qualquer pensamento, quando é lembrado, causa imensa dor, saudade e tristeza.
Bem, c'est tout. Achei que devia partilhar convosco este poema fantástico.
Peace =)