quinta-feira, setembro 03, 2009

Mar e magia



Olhou para o mar e para as crianças que lá se banhavam, gritando e atirando a água para o ar de modo a aproveitarem as gotas que caiam para se refrescarem, rindo excitadamente.

Sentou-se à beira-mar. Adorava ter as mãos a brincar na areia, enterrando nela os dedos e apertando aquele aglomerado de pedras e cristais minúsculos, sentindo-os entre os dedos. Por outro lado amava sentir a água que as pequenas ondas lhe traziam no final da ondulação, molhando-lhe as pernas e os calções, refrescando-o num ciclo contínuo de onda atrás de onda.
Reparou pelo canto do olho que alguém se sentara a seu lado, mas não lhe dera importância. Sentia-se demasiado perfeito para se preocupar com quem estava à sua volta. O mar. A areia. O Sol. A brisa vinda do mar. Os quatro elementos ligados e a trabalharem em sintonia.

Enquanto pensava no puro sentimento que estava a viver naquele momento ouviu uma voz rouca, mas quente, perto de si, sussurrando-lhe junto do ouvido. Olhou na direcção da voz e reparou que estava sozinho. Continuou a procurar a sua origem, girando a cabeça em várias direcções, mas sem sucesso. As crianças continuavam no seu intenso frenesim. Não podiam ter sido elas, pensou, pois estavam demasiado longe. Lembrou-se da presença que sentira a seu lado e que não havia dado importância. Tentou procurá-la, mas nada, nem ninguém, se encontrava perto de si.

Encolheu os ombros. Provavelmente imaginara a voz.
Levantou-se e caminhou em direcção do mar, sentindo o nível da água a aumentar e a envolver-lhe o corpo, à medida que entrava cada vez mais fundo naquele manto azul. Mergulhou, deixando-se ficar debaixo da água. Aquele silêncio proporcionava sempre um encontro consigo mesmo, um momento de introspecção no qual recordava os doces anos da sua infância, quando vivia despreocupado e sem se deixar levar pelas complicações do dia-a-dia.
Tinha dois anos quando pisara a areia pela primeira vez na companhia dos seus avós. Parecia-lhe magia a forma como os seus pés desapareciam no chão por sua própria vontade.

- Tudo é magia – dissera-lhe uma vez o seu avô, depois de terem ido juntos ao cinema ver a estreia do filme “O Rei Leão” – reparaste como o Simba se sentiu mais feliz e mais forte quando, à noite, olhou para as estrelas e sentiu a presença do seu pai, perto de si, como se estivesse vivo? Ele acreditou e viu. A partir de magia, fez a sua própria magia e isso fê-lo sentir-se mais corajoso. Se guardares um pedaço de borracha – daquelas que utilizas na escola – e acreditares que ela te vai dar força, ou alegria, ou sorte no amor, então, estás a fazer magia. Lembra-te sempre que a magia existe, quando acreditas e queres que ela exista.

Tinha saudades do seu avô, das suas sábias palavras, das histórias de aventura que viveu nos seus anos de adolescência rebelde, dos seus ensinamentos, dos seus abraços…

Os seus pulmões já exigiam oxigénio quando colocou a cabeça sobre a superfície da água e inspirou profundamente. Inclinou-se para trás e deixou-se flutuar, sentindo o quente do sol, em contraste com o frio da água. Calor e frio, a eterna dualidade dos opostos. A sua sintonia. O seu yin e yang.

Perdera a fé na magia a partir dos onze anos, quando o seu avô falecera à sua frente, atropelado por um camião de carga. Ainda tinha presente na sua cabeça o dia em que o seu avô morrera. As imagens passavam-lhe diante dos olhos, como se ainda fosse hoje: o avô a pedir-lhe para esperar à porta do prédio, enquanto ia ao café comprar-lhe um doce – um chupa-chupa encarnado e em forma de coração, com sabor a cereja, seu preferido, que o avô sempre lhe oferecia – a visão do camião a rodar qual pião, após o condutor, um homem velho, de óculos com hastes de massa castanha e com grossas lentes, ter carregado a fundo no pedal do travão; o som dos pneus a derraparem no solo; o seu avô com os olhos aberto de surpresa, em estado de choque, vendo o automóvel a deslizar na sua direcção.

Voltou a mergulhar, procurando o silêncio de morte que tão bem conhecia, onde as lágrimas se difundiam no extenso mar. Desejou permanecer eternamente naquela ausência de significado, de importância, onde podia ser quem era, ou o que era. O nada constante ou o tudo vazio.

- A ausência de magia na tua vida leva-te a um estado de vazio, de nada, pior que a própria morte.

Abriu os olhos, observando por baixo da superfície do mar os raios solares que banhavam aquelas águas. De novo aquela voz, quente e rouca, que tão bem conhecia.
Voltou à superfície. As crianças já lá não estavam, possivelmente tinham ido para terra, deitando-se nas toalhas enquanto as mães preocupadas tentavam colocar chapéus nas suas cabeças.

Sentiu uma dor aguda no peito. Algo dilacerava-lhe o corpo. Sentia dificuldade em respirar, que agravava com a entrada de água salgada devido à agitação que os seus braços provocavam no mar.
Deixou de sentir, de ver, de ouvir. Começou gradualmente a perder a consciência, sentindo-se novamente leve… e finalmente liberto.
A última coisa que ouviu foram uns gritos angustiados de duas, três ou mais mulheres, não sabia, ao longe.

- A magia está dentro de ti e à tua volta – dissera-lhe o avô, quando se dirigiam ao McDonald’s. – Simba encontrou-a nas estrelas, Timon e Pumba no lema de vida Hakuna-matata. Tu um dia irás encontrá-la, basta olhares bem para o mundo à tua volta e, claro, para dentro de ti.

sexta-feira, abril 03, 2009


Another head hangs lowly,
Child is slowly taken.
And the violence caused such silence,
Who are we mistaken?

But you see, it's not me, it's not my family.
In your head, in your head they are fighting,
With their tanks and their bombs,
And their bombs and their guns.
In your head, in your head, they are crying...


Corri para ti quando vi que estavas a sangrar.
Olhei-te nos olhos, deixando-me envolver pela cor de âmbar e mel.
Reparei que choravas. Mas não quis pensar na possibilidade de te perder.
Garrotei a tua perna, na esperança vã de estancar a hemorragia.


Another mother's breakin',
Heart is taking over.
When the vi'lence causes silence,
We must be mistaken.

It's the same old theme since nineteen-sixteen.
In your head, in your head they're still fighting,
With their tanks and their bombs,
And their bombs and their guns.
In your head, in your head, they are dying...



Porquê? Porquê tanta desgraça, tanto ódio, tanta raiva…?
Não merecias morrer. Porque tiveste que pagar pelos outros?
Odeio-os!
Quero ter-te aqui de novo, ao pé de mim, para poder beijar-te. Apenas uma vez mais …

In your head, in your head,
Zombie, zombie, zombie,
Hey, hey, hey. What's in your head,
In your head,
Zombie, zombie, zombie?
Hey, hey, hey, hey, oh, oh, oh,
Oh, oh, oh, oh, hey, oh, ya, ya-a...


Música e letra de Cranberries – Zombie
Um clássico!