sábado, dezembro 02, 2006



Foi o suficiente. Levantaste-te e abriste a janela. Tentaste saltar, mas segurei-te. Pediste-me que te largasse e não o fiz. Talvez seja por ti, como te disse, mas sei que não aguentaria o peso da culpa de te ver morrer, sabendo que o podia evitar. No entanto estás aqui ao meu lado, e eu continuo sem saber porque o fizeste. Respondes-me silenciosamente enquanto desvias o olhar para a dita janela.

Deixas cair uma lágrima. Partes-me o coração.

Vou buscar um lenço e limpo-te a cara. Atiro o lenço para o teu lado e não resisto a abraçar-te. Gosto de sentir esse teu calor, esse teu calor de vida. Não consegues evitar e choras no meu peito. Afago-te as costas e o cabelo – parece que te estás a acalmar.

Peço-te para não o voltares a fazer. Abraças-me com mais força.

Deito-te na cama e seguro-te a mão, esperando que adormeças. Dou-te um beijo na testa e sento-me numa cadeira, a teu lado. Adormeço também, sem te largar a mão.

terça-feira, novembro 21, 2006

Sozinho….

…Triste

Uma voz…

…Ouvir-me a mim mesmo

Nada mais que ilusão…

…mas foi bom acreditar…

… que exististe.

terça-feira, novembro 07, 2006

Choro púrpura num relâmpago sem fim


- Vem para ao pé de mim. Senta-te aqui ao meu lado. Lembraste da história que te contei?
- Lembro-me.
- Nada do que te contei acontece na realidade. É o mal das histórias de amor, das histórias de aventura, das histórias policiais. Só as histórias de drama é que são as mais verídicas. De uma forma ou de outra, reflectem sempre uma experiência vivida, uma dor realmente sentida.
- Mas há muitas histórias de romance que acontecem mesmo como são contadas. Talvez menos que as de drama, mas acontecem.
- Não tenhas tanto a certeza disso. Mas também, só o futuro é que dirá, e o que te espera, se é que realmente está à tua espera, mais tarde ou mais cedo irá acontecer.


Fechou o diário, sentindo a sua capa dura de couro, e pouso-o em cima da secretária de mogno antiga, ao lado da caneta de madeira, velha e gasta. Levantou-se, aproximou-se da janela e observou a rua à sua frente, iluminada por aquelas luzes tremeluzentes dos candeeiros. Destrancou o fecho e abriu a janela, fazendo chiar a pesada porta de madeira branca, já carcomida pelo tempo. Aproximou-se do corrimão, enferrujado e velho, e deixou-se ficar, de olhos fechados, enquanto sentia a chuva a cair sobre a sua cara, sobre o seu corpo, ensopando toda a sua roupa. De repente, por fracções de segundo, viu um clarão branco através das suas pálpebras, seguido de um som estridente de um trovão. Abriu os olhos. Não se tinha assustado. O sinal havia sido dado. Esticou os braços, para cada lado do seu corpo, e murmurou o que lhe haviam ensinado. Uma aura púrpura circundou-o. A chuva começou a cair com mais força e vários relâmpagos surgiam em intervalos cada vez mais curtos. Uma lágrima ameaçou cair, mas ele, com toda a sua força, tentou segurá-la – isso seria o fim. O fim de tudo. Ele não podia deixá-la cair. Entrelaçou as mãos uma na outra, ao nível do peito, e fechou os olhos. Murmurou o que faltava dizer para acabar com o serviço. O tom púrpura começou lentamente a mudar para tons violetas e arroxeados e mais uma lágrima tentava prepotentemente libertar-se. Ele não estava a aguentar muito mais e com toda a força que ainda guardava dentro de si, gritou. Gritou o mais alto que podia. Foi aí que aconteceu. A primeira lágrima havia se soltado das suas amarras e caiu. Acompanhando o seu movimento, diversos raios começaram a atingir o meio a seu redor e a destruição começara. Ele ajoelhou-se e, agarrado ao corrimão, deixou-se levar por aquele choro que há tanto tempo guardava dentro de si. Choro de saudades, choro de frustração, choro de desilusão. Todos os tipos de choro. Sentiu alguém atrás de si. Virou-se sobre si mesmo, com o coração sobressaltado. E viu! Lá estava a silhueta que ele tanto sentia falta de poder tocar, de ter a seu lado, de dormir a seu lado. Queria voltar ao passado, sentir a sua voz, a sua respiração enquanto o aconchegava para dormir, de lhe dizer um bom dia antes de tomar o pequeno-almoço. Mas a visão durou pouco tempo, pois desaparecera com a mesma velocidade com que aparecera. Os relâmpagos continuavam a surgir atrás de si à medida que chuva ia alagando tudo a seu redor. Tentando se acalmar, levantou-se e sentou-se em cima do corrimão que, com o seu peso, começara a balouçar enquanto gemia. Sem se preocupar com a estabilidade do velho corrimão, atirou-se para o chão iluminado por aquelas luzes amarelas. Jazendo no chão, uma mancha de sangue começou a circundar o seu corpo, já sem vida, já sem aura, já sem nada.

Acordou na manhã seguinte cheio de dores no pescoço e na base das suas costas. Meio estremunhado reparou que tinha adormecido em cima do diário. Ainda com o sono recente na sua cabeça, aproximou-se da janela e reparou que estava destrancada. Abriu-a com medo e aproximou-se do corrimão. A noite cobria a rua à sua frente e apenas se vislumbrava a calçada iluminada pela luz tremeluzente dos candeeiros. O céu estava coberto com nuvens, mas não chovia nem trovejava. Ouviu barulhos atrás de si e num sobressalto, virou-se e viu à sua frente um gato preto e branco, sentado, de olhos esverdeados, olhando-o fixamente…

- Sabes que uma das coisas que sempre me disseram foi para não acreditar em tudo o que dizes.
- É normal, vocês não querem acreditar no que não gostam de ouvir.
- És um pouco confuso.
- Todos somos.

sexta-feira, novembro 03, 2006


Somos tão pouco, valemos tão pouco…
A novidade aparece… gostamos de a ver…
Tentamos agradar-lhe… vemos que não conseguimos…
Tentamos mais uma vez… já repara em nós…
Repetimos e agradamos mais… um ano depois tudo acaba…
A simpatia desaparece… a ilusão desmancha-se…
Frustração por termos perdido tempo com ela…
E no final, não ganhamos nada, perdemos muito,
Perdemos tempo, perdemos sorrisos, perdemos lágrimas…
Perdemos tudo e ganhamos menos ainda.

domingo, setembro 10, 2006

Abrindo mais uma vez o velho baú, aqui posto dois poemas que fiz há dois anos, numa noite de insónias =)
O que dava

O que eu dava para te ter a meu lado
Para te poder tocar
Para te poder abraçar
Para te poder beijar
E sentir teus doces lábios a roçarem nos meus.

O que eu dava para te ter ao pé de mim
Para sentir a tua pele
Para sentir o ar quente da tua respiração
Para sentir as tuas mãos suaves
quando me acaricias o cabelo.

Mas sei que é impossível.
Sei que nunca te irei ter a meu lado
Para te poder abraçar ou sentir teus lábios a tocarem nos meus…
Apesar disso, vou continuar a pensar em ti
E em pensamento, amar-te
E no sofrimento desejar-te.

Miguel Neves
11.06.04
03.37h
Iludes-me…

Iludes-me com palavras simpáticas,
com gestos carinhosos e sorrisos sinceros.
Iludes-me com os teus olhos de pálida ternura
e com os teus segredos e confissões
Tentas mostrar a confiança que tens em mim,
Como a madrugada clara vem após a noite escura.

Mas isso são apenas puras ilusões
Na quais eu não consigo deixar de viver
Sem me poder segurar nelas
E esperar, esperançosamente, que se tornem verdade.
Dependo muito de ti
E sofro com isso, pois amar é sofrer
E eu não quero sofrer, mas também não quero deixar de te amar,
Mesmo que nunca sintas o mesmo que sinto por ti
Mesmo que as ilusões nunca se tornem realidade
Mesmo que não consiga aquilo que desejo
Mesmo que continue a sofrer
Mesmo que queira morrer
Sem a meu lado te ter
E nos teus braços poder adormecer,
Eternamente.

Miguel Neves
11.06.04
04.02h

segunda-feira, maio 22, 2006



There was a boy
A very strange, enchanted boy
They say he wandered very far
Very far, over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he
Finalmente, a voz. Um abraço. Um beijo na testa. E um sorriso. Foi o suficiente para ele se ter sentido bem consigo mesmo. Mas já fazia tudo parte do passado. Doces recordações e bons momentos, sem dúvida, mas não passavam mais do que isso. Uma lágrima ameaçava cair. Levantou a mão esquerda e limpou-a.
Ligou o computador e abriu a sua pasta que tinha as fotos. Observou a primeira foto, recordando-se de como nesse momento se sentira momentaneamente feliz. Iludido, mas feliz. Apreciou-lhe os lábios, doces e óptimos para se beijar, os olhos, ternos e ao mesmo tempo penetrantes, os braços que tantas vezes o abraçavam e aconchegavam, e o ombro excelente para encostar a cabeça, fechar os olhos, enquanto sentia nos seus cabelos o ar quente da expiração. Mudou de foto. Nesta já apareciam a sorrir num sítio qualquer em Lisboa. Gostava desta. Respirou fundo, e com os olhos húmidos decidiu imprimi-la, se queria de facto levar a sua ideia até ao fim.
No verso da fotografia, escreveu aquilo que sentia e que nunca lhe tinha dito. Por covardia, por medo de rejeição, ou pior, por medo da solidão e do isolamento. De qualquer das formas, fora fraco em não lhe ter mostrado o que lhe ia na alma. Mas não era capaz. O que é facto, é que já não aguentava esse sofrimento. Escreveu tudo. Não deixou nada dentro de si. Sentiu-se mais calmo, pois sabia, sentia, que estava a ser ouvido. Levantou-se, limpou as duas lágrimas que lhe haviam escorregado até ao queixo, assoou-se e colocou a fotografia dentro de um envelope. Pondo-a no bolso, aproximou-se da sua mesa-de-cabeceira e de olhos fechados, tentando evitar chorar de novo, pegou no frasquinho de vidro azul e colocou-o também no bolso, junto da fotografia. A seguir, fechou a porta do quarto, foi à cozinha encher uma garrafa pequena com água da torneira e saiu de casa.
And then one day
One magic day he passed my way
While we spoke of many things
Fools and Kings
This he said to me
Pelo caminho, passou por um jardim de rosas vermelhas que ele tanto gostava e arrancou uma. A mais bonita e jovem de todas, ainda por brotar. Olhando para a rosa entre os seus dedos, sentiu que aquele caminho nunca mais acabava. Finalmente, depois de dez minutos, chegou aonde queria. Entrou, subiu as escadas que o levavam a meio da colina e aproximou-se. Sentiu o cheiro de terra batida e relva molhada, e inspirou fundo, voltando a ter a sensação de que não iria aguentar muito mais sem chorar. Ajoelhou-se em frente à lápide, e leu o nome que se encontrava lá escrito – a prova de que não podia fazer mais nada, restando-lhe levar com a sua ideia até ao fim. Não aguentando mais, encostou a testa à lápide e deixou-se levar por um choro compulsivo. Ele esforçara-se tanto por reter aquele choro, mas era demais. Ainda a chorar, soltou um grito de desespero que há muito desejava sair cá para fora. A seguir, com os olhos vermelhos e húmidos, tocou com os dedos nas letras gravadas e sentiu uma leve brisa na face. Interpretou-a como chegada a hora de concluir o que tinha por fazer. Tentando enxugar ao máximo as lágrimas, colocou o envelope junto da lápide e pegou no frasco e na garrafa de água. Abriu o frasco e entornou o seu conteúdo para a mão em forma de concha. Uma dezena de comprimidos pequenos e brancos escorregaram-lhe para a mão, levando-os logo a seguir em direcção à boca. Com a outra mão, bebeu uns quantos goles de água e, no final, pousou a garrafa a seu lado e esperou. Esperou que a morte o viesse buscar. Começou a sentir-se inicialmente sonolento, mas, depois, uma súbita sensação de náuseas e vómitos começava a invadi-lo. Em completa agonia e dor, pôs-se de gatas e levantou a mão direita à testa. Lentamente, deixou de ver focado a lápide, a relva, as restantes campas e tudo a seu redor, caindo inanimado naquela terra batida.
Inundado por uma luz branca, piscou várias vezes os olhos numa tentativa de se acostumar à luminosidade. Lá ao fundo, pairava um vulto, que aumentava de tamanho à medida que se ia aproximando dele. Mais perto de si, reconheceu quem era. Não quis acreditar, pois ainda há pouco estivera perto da sua campa. Começou a sentir uma calma e paz a tomar conta do seu corpo, e a voz, a voz que ele tão bem reconhecia, fez-se soar perto do seu ouvido. «Sei agora que me amavas, mas eu também sentia o mesmo. Acontece que o erro que acabaste de cometer, também eu o fiz e não resolveu de nada. Pelo contrário, perdi a oportunidade de ter uma vida feliz se tivesse falado contigo, dizendo o que sentia pois de certo que haveria retribuição. Mas não. Preferi recostar-me nos meus medos, e seguir o caminho mais fácil. Sem saída, sem nada, mas mais fácil. Lembra-te sempre disto. Sempre te amarei»
The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return.
Acordou, já ao final da tarde. O céu já se encontrava pintado em tons de amarelo, laranja e vermelho e um vento fraco levantara-se imponente. Sentou-se e rodou a cabeça em seu redor. Reparou no frasco vazio, partido, junto da garrafa já sem água. Continuou a olhar e viu, por cima do envelope, a rosa. Majestosa, floriu nesse período de tempo que se manteve inconsciente. Pegou na rosa, deixou cair as suas últimas lágrima e levantou-se. Colocou a rosa em pé, na terra batida, e seguiu direito a sua casa, pensando no que se passara. Mais calmo, e de olhos chorosos, elevou a cabeça e observou as primeiras estrelas, apelando para que as pessoas entendessem a sua mensagem.
Nota:
Música em itálico: Nature Boy - Eden Ahbez.

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Um pouco de vida no tempo de morte

02.49h da manhã
Sentou-se à janela do seu quarto a observar o luar sobre a copa das árvores. Estava uma noite de lua cheia como ele já pressentia há muito – já há algum tempo que ele esperava que acontecesse isto.
“Olha à tua volta, não estás sozinho, muitos gostam de ti, és especial”
Balelas. Ele sabia que até seria especial, todos nós somos especiais. Mas não merecia isto. Dava de mais aos outros e depois sofria. Já não era a primeira vez, mas custava-lhe a aprender. De qualquer das formas, se era assim que o viam, então que o vissem até ao fim.
Saltou da janela e deixou-se cair com os braços abertos desde o seu 8º andar até ao chão de terra batida. Apenas queria sentir o vento a atravessar-lhe a cara, de modo a varrer as preocupações da sua cabeça…


04.07h da manhã
Acordou no meio da floresta. Conseguia ouvir uns zumbidos e outros ruídos da noite, mas não lhes deu importância. Levantou-se com a ajuda das duas mãos e logo se agarrou à árvore mais próxima de modo a controlar a súbita tontura que o invadiu. Quando se sentiu melhor, caminhou por entre as árvores, tentando ver por onde andava pelo pouco luar de lua cheia que as folhas deixavam iluminar. Continuou a andar até chegar ao pé de uma rosa vermelha. Era bonita, se não fossem as lágrimas que escorregavam pelas pétalas. Ele sentiu-se tão perdido, tão sozinho, tão mal consigo mesmo. Agarrando a flor entre o seu peito e os seus braços, colocou-se de joelhos e chorou, deixando que as suas lágrimas se misturassem com as da rosa. Não se lembrava de quando tinha chorado desta forma, mas também não interessava, apenas sabia que tinha entre os braços algo que o entendia. Foi neste momento que um clarão se abriu sobre ele, deixando-o inerte no chão, com um olhar vazio e o rosto pálido e já sem vida ; a rosa encontrava-se a seu lado, entre os dedos da sua mão direita, seca e sem vida…

05.18h da manhã
Correu por entre as dunas de areia. Apenas queria sentir o mar nos seus pés, o bater das ondas nas suas pernas, a brisa marítima a acariciar-lhe a cara. Olhou para o céu limpo, onde aquela lua cheia o observava, sem pena. Sabia que estava a chegar mais perto do mar pois o barulho do bater das ondas intensificou-se. Sabia que não podia olhar para trás - não podia simplesmente. A lua não o permitiria. Tinha de o levar até ao fim. Assim que alcançou o mar, colocou as mãos sobre os joelhos, arfando tal era o cansaço que sentia, observando o reflexo do luar sobre a água de platina. Descalçou os sapatos, tirou o relógio e a pulseira e deu o primeiro passo. A água estava bastante fria e gelou-lhe os pés, obrigando-o a fazer mais força, sempre que queria dar um passo. Quando já se encontrava molhado até à cintura e a sua respiração diminuía de ritmo, não resistiu, qual Prometeu, e olhou para trás. Não merecia, não queria, não tinha culpa, mas viu. Desatou a chorar, arfando ainda mais com densas nuvens de vapor quente saindo da sua boca. Não aguentando mais, deixou-se cobrir pelo mar, observando a lua debaixo de água, naquele silêncio de morte que tão bem conhecia…

10.32h da manhã
Acordou na sua cama iluminada pelo sol que entrava pela janela aberta, no seu lado direito. Espreguiçou-se, recordando-se do que havia sonhado nessa noite: aqueles sonhos tão dramáticos e profundos. Avançou até ao parapeito da janela, onde algo lhe havia chamado a atenção. Encontrou uma rosa vermelha sobre um monte de areia. Com uma vontade enorme de chorar, empurrou com a sua mão direita a rosa e a areia para fora da janela e ajoelhou-se, encostando a cabeça aos braços que se agarravam ao parapeito, a chorar desalmadamente…
“Olha à tua volta, não estás sozinho, muitos gostam de ti, és especial”