terça-feira, dezembro 27, 2011

No silêncio sem tempo


O cheiro da inexistência aproxima-se.
Esse vento lento e sedutor,
que me leva para aquilo que quero encontrar.
Mas sem saber, ou sem querer ver,
sinto o beijo do silêncio.
E enquanto a penumbra abraça-me
nessa ausência de tempo consigo rever-me.
O mundo, a vida, a morte.
No seio de sangue perco-me.
Procuro fingir que tenho quando se parte,
pois na noite escondo o que vejo,
no dia exponho o que não tenho.
Arde e consome-me
e no nada desapareço,
sem memória me vêem,
sem corpo me encontram.
No silêncio da morte apenas o vazio.
Uma alma oca.
Uma alma perdida
e desvanecida no tempo.
.
Há momentos assim que tenho de escrever.
Foto encontrada num web site.

segunda-feira, abril 11, 2011

Migalhas de mim

http://www.youtube.com/watch?v=6Ujng5sB3LA Porque a melodia embala. A letra enaltece. Os anjos dançam E a nossa alma agradece. Vale a pena ouvir esta música no youtube: Dark Sanctuary - Les Affres de la crematión

sexta-feira, abril 08, 2011


Fechei a porta de carvalho maciço e dirigi-me para o carro, enquanto tirava as chaves do bolso lateral das calças. Fechei-me dentro do carro, certificando-me que as portas estavam bem trancadas e coloquei a chave na ignição. Sabia que não tinha muito mais tempo, mas não consegui iniciar a marcha. O meu coração doía-me em demasia para sentir que a vida fazia sentido.


Controlei a maré de lágrimas que ameaçava cair e encostei a cabeça ao suporte superior do banco com os olhos fechados. Sem aguentar mais, liguei o motor de vez e sai do parque de estacionamento. O caminho de carro para a tua casa foi na sua maioria feito em silêncio profundo, alternando por vezes com as tão habituais vozes não naturais que nos últimos dias me perseguiam.



Fui sincero quando disse que te amava. Fui honesto quando me entreguei a ti. Amo-te se é isso que queres saber. Amo-te como nunca amei ninguém. Sacrificava a minha vida de bom grado pela tua, sem hesitação, se isso te permitisse viver para alcançares os sonhos que tanto ambicionavas.



Parei o carro frente ao teu portão de grades verdes, ornamentado com ramos e folhas de metal que se contorciam sobre si e desliguei o carro. Ouvi novamente as vozes. A porra das vozes que me atormentavam dia após dia, semana após semana. No inicio eram difusas e espaçadas no tempo, assustando-me completamente quando surgiram. Fizeram-me pensar que estaria louco, endoidecido na totalidade do meu ser. Mas não, em grandes momentos de ansiedade o cérebro pregava-nos partidos, tinham-me explicado, no entanto, sabia que mesmo nos períodos mais calmos, as vozes mantinham-se na minha cabeça. Aquele murmúrio incessante, que só terminava quando queria, como se fosse detentora de vontade própria.


Olhei para o teu portão e foi o suficiente para me deixar cair no abismo de sentimentos que me estrangulava a alma. Chorei. Chorei sem parar, até ficar com dificuldade em respirar, obrigando-me a engolir em seco para não inspirar qualquer tipo de conteúdo para os pulmões. Senti-me gradualmente mais vazio por dentro, o abismo onde mergulhei começara a inundar-me, cada vez mais profundamente. As vozes voltaram em força, personificando o ar à minha volta, numa intensidade crescente, obrigando-me a colocar as mãos nos ouvidos numa tentativa frustrada de abafar o som.



Porque me abandonaste? Porque me obrigas a ter de arranjar todos os dias motivação para viver quando nada mais me interessa? Tenho tanta pena que tenhas desperdiçado o tempo que tinhas com o teu trabalho, colocando-me em segundo plano se tivesses num período de maior stresse. Não consigo olhar para trás sem pensar que perdemos tanto e vivemos tão pouco.



Sai do carro sem o desligar, tampouco me importei em fechar a porta. Queria tanto ver-te uma última vez. Abraçar-te como no último dia, sentir a segurança que esse aperto tão só nosso nos transmitia. Obriguei-me a consciencializar-me que isso tinha terminado. Esses dias não se iriam voltar a repetir. Desapareceste da minha vida sem em avisares. Dói-me tanto. Sinto-me tão enganado; enganado por ti, pelo que experimentámos, pelo que vivemos. Sentei-me em frente ao teu portão e continuei a chorar.


Estava sozinho na rua e a noite já se instalara há muito quando as vozes reapareceram de uma forma ainda mais presente, mais assustadora. Uma nuvem esbranquiçada surgira à minha frente, formando um círculo em meu redor . Lentamente a nuvem à minha volta começou a transformar-se em vários corpos com uma forma humanóide, como se fossem pequenos duendes dos contos infantis, que ficaram estáticos, observando-me, enquanto os seus lábios desenhavam pequenos trejeitos numa fala incompreensível. Os murmúrios intensificaram-se e senti um formigueiro no pé que depressa percorreu o meu corpo, tornando-o cada vez mais leve. Como se a física não tivesse mão neste assunto, o meu corpo elevou-se no ar, ao som do coro de vozes que me rodeavam, deixando que a brisa fresca da noite primaveril me refrescasse.



O cansaço e o desespero apoderaram-se de mim e nada me dá mais vontade em continuar a viver. Quero ir para junto de ti, quero voltar e viver o que não vivemos. Quero voltar a ver-te a rir, a roubar-me as torradas do pequeno-almoço, a limpares-te à toalha quando terminas o duche. Quero voltar à minha – nossa – normalidade.



O cheiro da terra revolvida, misturada com o cantar matinal dos pardais encheram-me a cabeça quando acordei. Senti dor em cada parte do meu corpo, pelo que me demorei mais a levantar-me. Olhei para o espaço à minha volta e não pude acreditar no que via. O cemitério estava vazio àquela hora do dia, como seria de esperar, pelo que tentei recordar como havia chegado ali, mas a minha memória parecia entorpecida, como se quisesse acompanhar o estado do meu corpo. Reparei na lápide à minha frente e com dificuldade tentei ler o que lá se encontrava escrito, não querendo acreditar quando vi o meu nome lá gravado. Finalmente compreendi o que as vozes me queriam transmitir.



Afinal a culpa é irrevogavelmente minha. Estraguei tudo o que tínhamos, estraguei as nossas vidas. Destruí o que podia ter sido construído.

Espero que me perdoes.

Um dia.